Considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma das doenças mais negligenciadas do mundo, a leishmaniose visceral (LV) ganha uma nova ferramenta de conhecimento técnico, científico e jurídico: o Guia de Bolso da Leishmaniose Visceral. A publicação é resultado de oito meses de trabalho da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV) e será lançada no dia 3 de novembro, durante o II Simpósio Internacional de Saúde Única e o IV Simpósio Paranaense de Saúde Única.

 

“Depois de muito trabalho dos membros da comissão, com a colaboração de diversas entidades, como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Ministério da Saúde e universidades, os médicos-veterinários que atuam nos segmentos públicos e privados terão ao seu dispor um grande apoio para realizar consultas, dirimir dúvidas e realizar, com mais segurança, o protocolo de tratamento da leishmaniose em cães”, afirma o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti.
A doença, também conhecida como calazar, é uma zoonose sistêmica causada por um protozoário do gênero Leishmania, transmitido aos humanos e outros animais por meio da picada de mosquitos flebotomíneos, do gênero Lutzomyia, que se infecta ao se alimentar do sangue de animais infectados, principalmente cães.
“A complexidade da LV sempre gerou muitos questionamentos. O Brasil detém uma das maiores experiências científicas e práticas de atuação de medidas de controle da doença. Somos referência no mundo, pelas pesquisas, formação profissional e gestão dos programas. O guia consolida tudo isso”, afirma o presidente da CNSPV, Nélio Batista de Morais, coordenador de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (CE).
Para o médico-veterinário Francisco Edilson Júnior, membro da comissão e servidor do Ministério da Saúde, o intuito do guia é harmonizar, de forma materializada, as informações técnicas, legais e éticas sobre a vigilância, o manejo e o controle da leishmaniose visceral, com foco nos médicos-veterinários.
“Esperamos também reduzir uma assimetria de informações que existe entre profissionais de diversas áreas e de diferentes regiões do país para, a partir disso, dar um passo importante para integrá-los em prol de um trabalho conjunto para o controle dessa grave zoonose. Essa integração segue a abordagem da saúde única, que é o melhor caminho para controlar zoonoses como a leishmaniose visceral”, explica.
Leishmaniose no Brasil
De acordo com dados da Secretaria de Vigilância e Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, o Brasil responde por 90% dos casos humanos de leishmaniose visceral registrados na América Latina. De 2010 a 2019, o país apresentou de 3 mil a 3,5 mil casos por ano (quadro abaixo), com letalidade (mortalidade) em torno de 7%.
As áreas de maior incidência da LV no país estão concentradas na Região Nordeste, em razão de fatores ecológicos e sociais. Porém, com o avanço da doença, regiões que anteriormente não apresentavam casos, como o Sudeste e algumas áreas do Norte, já os contabilizam. Atualmente, a enfermidade está presente em todos os biomas brasileiros.
Segundo Morais, é importante lembrar que a zoonose tem um aspecto social muito forte. “A maior parte das pessoas acometidas têm condições socioeconômicas menos favorecidas. O fator de maior preocupação é a alta incidência na faixa etária de 0 a 14 anos. Portanto, não controlar a leishmaniose é praticamente condenar as crianças pobres à morte”, alerta.
Importância do médico-veterinário
A ausência de uma educação em saúde para a população em geral potencializa o processo cada vez mais forte de incidência da doença no Brasil, assim como a transmissão para os cães e, consequentemente, a vulnerabilidade para a ocorrência de casos em humanos.
O médico-veterinário tem um papel fundamental como profissional de saúde única nesse cenário, pois é dele também a função de educar os tutores dos animais. “Os profissionais do segmento privado têm uma função muito relevante em intervenções que podem propiciar reduções dos danos sociais causados pela leishmaniose visceral”, aponta o presidente da CNSPV. “Complementando esse processo, a intervenção do setor público deve ter como prioridade a adoção de medidas profiláticas que respondam ao impacto da expansão territorial dos casos e os riscos de acometimentos e mortes da população. Para isso, os médicos-veterinários devem estar na linha de frente, implementando conceitos de saúde única, intervindo em todas as fases da cadeia e gerando respostas ao complexo e enorme desafio que significa a LV”, completa.
Morais sugere ainda que os profissionais busquem sempre o conhecimento da legislação e se atentem aos fundamentos do que está vigente no país. O Guia de Bolso da Leishmaniose Visceral apresenta um capítulo inteiro dedicado à legislação pertinente às questões que envolvem atuação e pareceres sobre a zoonose. “Busquem também, constantemente, atualizações técnico-científicas, pois a ciência é a grande norteadora desse processo”, orienta.
De acordo com o médico-veterinário, a prática clínica e suas intervenções são valiosas e os profissionais devem aproveitar a oportunidade para produzir informes e material científico, os quais poderão servir de subsídio e até mesmo de apresentação de experiências exitosas, disponíveis ao conhecimento de todos.
“Procure sempre a integração do serviço público com o serviço privado. É indispensável que o profissional tenha conhecimento das normativas que amparam as ações de vigilância e controle da leishmaniose visceral”, finaliza.
Sintomas
Para fazer um diagnóstico precoce, com mais chances de cura, é importante prestar atenção aos sintomas. No cão, os sinais são emagrecimento progressivo, crescimento das unhas, feridas no corpo, sobretudo no focinho e na orelha, ceratoconjuntivite (inflamação dos olhos), comprometimento hepático (fígado) e esplênico (baço), além de prostração.
Já no homem, os sinais são febre regular, tosse seca, emagrecimento, anemia, comprometimento hepático (fígado) e esplênico (baço) e hemorragias.
Prevenção
Prevenir é o melhor remédio. Com a leishmaniose visceral não é diferente. É possível manter o mosquito transmissor bem longe, especialmente com o apoio da população, no que diz respeito à higiene ambiental. Ações simples, como limpar periodicamente quintais, retirar a matéria orgânica em decomposição (folhas, frutos, fezes de animais e outros entulhos que favoreçam a umidade do solo, locais onde os mosquitos se desenvolvem); e destinar corretamente o lixo orgânico, a fim de impedir o desenvolvimento das larvas dos mosquitos, são medidas muito eficientes.
Além disso, é importante realizar também a limpeza dos abrigos de animais domésticos, mantê-los em canis com telas, se possível, e não deixá-los soltos no final da tarde e à noite.
Os tutores dos animais devem levá-los periodicamente ao médico-veterinário para acompanhamento e realização de diagnósticos sorológicos e parasitológicos, assim como aplicação da vacina contra a leishmaniose. Os responsáveis também podem ajudar na prevenção com o uso de repelentes nos animais.
Mesmo curado, o cão pode continuar como reservatório da doença. Por isso, uma vez infectado, deverá ser acompanhando por um médico-veterinário durante toda a sua vida. Além de todos esses cuidados, em caso de suspeita da infecção no homem, a orientação é buscar imediatamente uma unidade de saúde para atendimento e, em caso de confirmação da doença, seguir para os procedimentos necessários.
O Guia
Ao longo de mais de cem páginas, os leitores podem conferir desde aspectos epidemiológicos atuais no Brasil e no mundo, passando pela legislação brasileira e os aspectos legais voltados à atuação do médico-veterinário, até diagnóstico, tratamento, controle e prevenção, tanto em animais quanto em humanos.
publicação está disponível em versão on-line no portal do CFMV.
Assessoria de Comunicação do CFMV

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